Foto: Gil Sousa
Foto: Gil Sousa

Bienal do Livro traz Memórias do Movimento Feminino pela Anistia na Ditadura através do Acervo da Bece

A Bienal Internacional do Livro do Ceará, que tem como tema de sua 15ª edição “Das fogueiras ao fogo das palavras: mulheres, resistência e literatura”, vem convidando o público a descobrir as inúmeras histórias que são formadas por uma união destes três elementos. Uma dessas histórias foi partilhada nesta sexta-feira, dia 11, às 14h, no palco da Arena Bece, em forma de edição especial do programa “Acervo em Evidência”: a mesa “Memórias do Movimento Feminino pela Anistia na Ditadura através do Acervo da Bece”, com a professora doutora Ana Rita Fonteles Duarte como convidada.

Ana Rita, Professora Associada III do Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em História Cultural pela Universidade Fedderal de Santa Catarina (UFSC), é a autora do livro “Jogos da Memória – o Movimento Feminino pela Anistia no Ceará (1976-1979)”, baseado em sua pesquisa de doutorado sobre o MFPA, um movimento de curta mas expansiva e importante atuação durante a ditadura militar brasileira.

O Movimento foi fundado em 1975 por Therezinha Zerbini, esposa de Euryales de Jesus Zerbini, um dos únicos generais brasileiros a ser contra o golpe militar de 1964, e a ter seus direitos políticos cassados em represália. Therezinha criou o MPFA constituído principalmente por mulheres parecidas com ela: católicas, de classe média, esposas ou mães de presos políticos da ditadura.

Ana Rita explica que “para se proteger, ela pensou que seria interessante que o movimento acontecesse às claras, fosse registrado em cartório, e também que utilizasse um léxico, uma forma de se comunicar que apelasse para o papel tradicional da mulher, para não ser objeto de suspeição. Uma imagem de mulheres em defesa da paz, das famílias que tinham sido destroçadas pela ditadura”.

Por meio de cartas cuidadosas, o Movimento Feminino pela Anistia se espalhou pelo Brasil, tendo núcleos criados em todos os estados do país. O núcleo cearense foi fundado em 1976, liderado por Nildes Alencar, irmã de Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, mártir da ditadura falecido no ano de 1974. O grupo chegou a ter cerca de 40 mulheres divididas entre Fortaleza e o sertão dos Inhamuns.

A pesquisa de Ana Rita a levou aos acervos da Biblioteca Pública Estadual do Ceará, em particular ao vasto e gratuito setor de periódicos, onde ficaram registradas as diversas matérias sobre o MPFA. A maioria das matérias era negativa: apesar de suas táticas serem largamente eficazes em impedir os maiores excessos da repressão militar, o movimento ainda era visto negativamente por jornais aliados ao regime. Porém, o maior valor do acervo para o trabalho de Ana Cristina não esteve no acervo em si, mas em como ele serviu de guia para entrevistas com as membras do movimento e consultas a seus acervos particulares.

“Além das entrevistas, tem os documentos produzidos pelo MPFA. Como era um movimento registrado em cartório, que atuou publicamente, a gente tem atas de reuniões, panfletos, análises de conjuntura que elas faziam, fotografias, cartas, poesias escritas pelos presos, escritas por elas… eu entrevistava muito essas mulheres nas casas delas, e aí eu perguntava “e os documentos do MPFA?” e elas diziam “tem muita coisa, mas ninguém sabe onde está” aí eu dizia “mas você não tem nada guardado?” Aí elas começavam a baixar caixas guardadas no guarda-roupa, abriam seus arquivos pessoais, e tinha muita riqueza lá. Elas achavam que não tinha nada, e eu achando maravilhoso, porque tinha recortes de jornais da época, fotografias, cartas, documento, carteirinhas de visitação do IPPS”

Se as membras do Movimento Feminino pela Anistia pensavam que os registros de sua resistência não são importantes, é em parte por causa de narrativas inadequadas que se construíram sobre a ditadura militar, sobre as mulheres como meras coadjuvantes nas histórias de heróicos mártires masculinos. É uma narrativa que serviu de defesa para o MPFA durante sua atuação, mas que hoje deve ser questionada. Obras como o estrondoso sucesso cinematográfico Ainda Estou Aqui, assim como o livro de Ana Rita, representam o espírito da XV Bienal ao colocarem em foco a prática feminina da resistência.

A Bienal Internacional do Livro do Ceará é uma realização do Ministério da Cultura (MinC) e do Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), via Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. O evento conta com o patrocínio do Banco do Nordeste, Rede Itaú, Cagece e Cegás.

Serviço:

Bienal Internacional do Livro do Ceará 
Quando: 4 a 13 de abril, das 9h às 22h
Onde: Centro de Eventos do Ceará – Avenida Washington Soares
Gratuito e aberto ao público
Programação no site: https://bienaldolivro.cultura.ce.gov.br 

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