Foto: Beto Skeff
Foto: Beto Skeff

Mestres Cacique João Venâncio, Cacique Pequena e Zé Mateiro abordam trajetória de lutas em roda deconversa na Bienal do Livro do Ceará

Com depoimentos que trouxeram detalhes sobre as respectivas lutas, os Mestres compartilharam importância e desafios enfrentados

Timidamente, o público foi ocupando as cadeiras da roda “Conversas Ancestrais: Narrativas Orais e o Sagrado”, que iniciou no primeiro horário da XV Bienal Internacional do Livro do Ceará, neste domingo, 6 de abril, às 9 horas, na sala Carolina Maria de Jesus (sala 8 — 1º Mezanino) até às 12 horas, com falas do Mestre Cacique João Venâncio, Mestra Cacique Pequena e Mestre Zé Carneiro (Mateiro).

Sob mediação de Joyce Custódio, professora do Instituto Federal do Ceará (IFCE — Campus Quixadá), o momento começou com uma oração e cântico. Guiada pelo Cacique João Venâncio, a plateia se reuniu em um círculo e acompanhou o momento de fé que abriria a conversa. Ao toque do maracá, alguns versos foram acompanhados por aqueles que conheciam a canção.

O cacique foi o primeiro do trio a falar, compartilhando alguns detalhes da luta do seu povo, o Tremembé. Um dos assuntos abordados foi a demarcação de terras da etnia, que segue em trâmite na Justiça. “O latifundiário para tomar a terra do povo foi bem ligeirinho, mas para corrermos atrás e adquirir isso (demora). Estamos há 30 anos na Justiça e até agora não foi decidido ainda. Para tomar foi ligeiro demais, mas para devolver é duro”, declarou.

“Estamos lutando. A primeira luta foi o reconhecimento como indígena, o primeiro passo. O segundo passo é o reconhecimento do território como indígena, que era nosso, dos nossos antepassados. E costumo dizer, hoje estamos aqui falando porque somos herdeiros dessa luta e herdeiros dessa história, e estamos lutando para ver ela acontecer”, completou.

Em seguida, a palavra foi passada para a Mestra Cacique Pequena, a primeira líder de uma comunidade ou aldeia indígena do Brasil, e parte do povo Jenipapo-Kanindé. Desejando que mais pessoas pudessem ouvir o que os mestres da natureza tinham a dizer e a importância dessa escuta, ela englobou todos os povos em sua fala.

“Todos sofrem com a mesma dor. Estou com dor nesse dedo e ele é o dedo que todos os povos originários do Brasil são. Por que digo que a dor dele é a dor de todos os povos originários do Brasil? Porque é a mesma luta que se vive há mais de 30 anos”, afirmou.

Além disso, a cacique falou sobre as conquistas ao longo dos anos, como o reconhecimento da terra — conquistada em 2024 após anos de trâmite, mas ainda pendente da homologação e registro. Também lembrou o caso de discriminação que já sofreu na primeira reunião com líderes indígenas do País que participou apenas por ser mulher.

“Eles me discriminam, (pensam) que mulher só servia para cama e pé de fogão, isso para toda mulher brasileira, tanto indígena como não. Que mulher não tem condições de arrumar trabalho”, listou. “Mas temos que ser fortes. Nós mulheres temos que ser fortes e mostrar para o homem e mostrar que não é só ele que pode ser dono do mundo”, arrematou.

Mestre Zé Carneiro, conhecido também como Zé Mateiro, compartilhou das vivências da profissão — que o encarrega de zelar pelas matas ou florestas, no caso, a mata serrana de Pacoti e Guaramiranga. Desde 1991 atua com esse propósito, mas lamenta a desvalorização da população pacotiense em relação ao seu trabalho.

Guamiranguense de coração, ele luta pela preservação do povo serrano, a fauna e a flora do local, buscando uma conscientização e educação. Ele explicou que a “agressão à natureza” parte de nativos e pessoas de fora que desejam construir mansões no meio da mata. “Pessoal não quer morar na cidade, mas dentro da mata. Tem espaço para fazer casa, mas tem que respeitar o espaço da natureza”, pontuou.

“Parece que o homem está perdendo a força, (com uma) ânsia tão grande de destruir, de derrubar, só para ver a queda. Isso é muito triste. A nossa natureza está agonizando”, refletiu.

Após as falas dos convidados, a roda se abriu para perguntas do público sobre a temática trazida pelos mestres da natureza. Em seguida, uma homenagem ao Pajé Barbosa, do povo Pitaguary, e ao Pajé Luíz Caboclo, indígena Tremembé, que se encantaram (faleceram). Para o momento, estiveram presentes as filhas do Pajé Barbosa, Nádia e Francilene Pitaguary.

XV Bienal Internacional do Livro do Ceará

Com o tema “Das fogueiras ao fogo das palavras — Mulheres, resistência e literatura”, a XV Bienal do Livro do Ceará acontece de 4 a 13 de abril no Centro de Eventos do Ceará, com entrada gratuita. A curadoria do evento em 2025 é feita inteiramente por mulheres: Sarah Diva Ipiranga, nina rizzi, Amara Moira e Trudruá Dorrico.

São ofertadas diferentes atividades durante os 10 dias, entre elas rodas de conversas, lançamentos de livros, shows e apresentações culturais. A programação completa pode ser acessada no site oficial (bienaldolivro.cultura.ce.gov.br).

O evento é uma realização do Ministério da Cultura (MinC) e do Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Cultura (Secult), em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM), via Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. O evento conta com o patrocínio do Banco do Nordeste, Rede Itaú, Cagece e Cegás.

Serviço:
Bienal Internacional do Livro do Ceará
Quando: 4 a 13 de abril, das 9h às 22h
Onde: Centro de Eventos do Ceará – Avenida Washington Soares
Gratuito e aberto ao público

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